4.ª Conferência Internacional “Wittgenstein & Women”
Wittgenstein e Epistemologia Feminista: Palavras, Vozes e Silêncios
16–17 maio 2024, FCSH – Universidade NOVA de Lisboa
Organizado pelo Wittgenstein & Women Group e pelo Grupo Wittgenstein de Lisboa/ArgLab – IFILNOVA
A epistemologia feminista tem chamado a atenção para o caráter situado do nosso conhecimento, i.e., o modo como a nossa posição social e as nossas experiências afetam aquilo que podemos saber sobre o mundo. Em particular, procura identificar o modo como conceitos epistémicos e práticas dominantes afetam as mulheres e outros sujeitos marginalizados, produzindo e reproduzindo esquemas e mitos de género opressivos. Para a maioria das epistemólogas feministas, no entanto, a solução não passa por corrigir o caráter situado do conhecimento em busca de uma teoria adequadamente neutra e objetiva. A descoberta da natureza social do nosso conhecimento é algo que deve ser encarado como a sua condição de possibilidade que “passa a ser sobre a sua incorporação específica e particular e, definitivamente, não sobre a falsa visão que prometia transcendência de todos os limites e responsabilidades” (Haraway 1998: 583).
Estas observações feministas ressoam com o apelo de Wittgenstein para que “resgatemos as palavras do seu uso metafísico de volta para o seu uso comum” (PI §116). De acordo com Stanley Cavell, esse apelo envolve a rejeição da voz metafísica que domina a investigação filosófica em favor de um projeto que procura recuperar a voz humana em si – uma voz que ele considera ter sido banida pela própria filosofia (Cavell 1979, cf. Laugier 2015). A desqualificação da voz humana do registo filosófico é resultado de uma atitude geral de suspeita acerca de tudo o que é comum e da adesão à fantasia de um meio purificado que nos permitisse avaliar o mundo fora da linguagem. Tal como as teóricas feministas, Wittgenstein inverte essa atitude de suspeita. Nas palavras de Naomi Scheman, “o que Wittgenstein e as teóricas feministas têm em comum é a suspeita de que há algo de fundamentalmente errado com o modo como como colocamos e respondemos às perguntas que se consideram ‘sérias’, algo que termina o jogo antes que ele possa começar a ser jogado” (Scheman 2002: 2).
Ao redirecionar a atenção para a linguagem comum, tanto autores/as wittgensteinianos/as como feministas acolhem uma conceção de significado não-literal, segundo a qual as palavras só podem ser avaliadas no seu contexto e a partir de localizações sociais particulares. Tal conceção oferece-nos um terreno mais amplo onde procurar vozes simultaneamente excluídas da filosofia tradicional e de comunidades epistémicas patriarcais: recursos conceptuais marginalizados, dispositivos literários expressivos, interações afetivas, gestos, etc. O silêncio entra em cena de mais de uma maneira. Por um lado, trata-se do modo como práticas dominantes de produção de conhecimento levam a que parte da população fique “sem voz – não no sentido em que uma pessoa não tem palavras – mas no sentido em que essas palavras se tornam gélidas, entorpecidas, sem vida” (Das 2007: 8). Por outro lado, pode ser entendido “não como o silêncio daqueles sem poder político para se expressar e sem plataforma para discutir as suas preocupações (ainda que as mulheres estejam frequentemente nessas situações), mas como o silêncio daqueles que de alguma forma não têm palavras para fazer justiça a algumas das suas experiências” (Crary 2001: 393). As formas em que o silêncio ocorre são muitas e variadas e precisam de ser contextualizadas para serem compreendidas (Medina 2004). Em todo o caso, o mero reconhecimento do silêncio parece indicar a presença de uma voz ativa, sensível e reflexiva. Nas palavras de Audre Lorde,
onde as palavras das mulheres clamam por serem ouvidas, cada uma de nós deve reconhecer a nossa responsabilidade de ir ao encontro dessas palavras, de as ler e de as partilhar e de as examinar, na pertinência que possam ter para as nossas vidas. (Lorde 1984: 43)
Como pode o significado ser extraído do silêncio face aos contornos ideológicos dos nossos recursos conceptuais dominantes? O que é necessário para que as vozes marginalizadas sejam ouvidas em sociedades que as negligenciam? Como é que estas reflexões podem ser iluminadas pela teoria feminista e pelos estudos wittgensteinianos? Em que posição nos deixam relativamente a noções epistemológicas tradicionais tais como a objetividade, a justificação e a verdade? O que nos podem dizer sobre a forma como os sistemas de dominação afetam as nossas práticas epistémicas? Como se relacionam com fenómenos como a opressão epistémica (Dotson 2012), a injustiça hermenêutica (Fricker 2007) e a ignorância hermenêutica deliberada (Pohlhaus 2011)? Que outras interacções produtivas podem resultar deste diálogo? Estas e outras questões interligadas deverão dar o mote à 4ª Conferência Internacional “Wittgenstein & Women”.
A conferência será complementada por um workshop destinado a estudantes de mestrado ou de primeiros anos de doutoramento, que terão a oportunidade de aí apresentar os seus projetos académicos, artísticos e trabalho em progresso. O workshop será orientado pelas oradoras convidadas. Saiba mais sobre o workshop aqui.
ORADORAS CONVIDADAS
Anna Boncompagni (Universidade da Califórnia, Irvine), Sofia Miguens (Universidade do Porto)
COMITÉ DE ORGANIZAÇÃO
Camila Lobo (FCSH / IFILNOVA), Camille Braune (Universidade Paris 1 Panthéon-Sorbonne), Dima Mohammed (FCSH / IFILNOVA), Gloria Andrada (FCSH / IFILNOVA), Isabel Gamero Cabrera (Universidade Complutense de Madri), Jasmin Trächtler (TU Dortmund), Nuno Venturinha (FCSH / IFILNOVA)
Para participar na conferência ou no workshop, por favor submeta um abstract (máx. 300 palavras) através deste formulário. Para ambos, inscreva-se até ao dia 31 de Janeiro.
Encorajamos particularmente candidaturas de mulheres* e de grupos atualmente sub-representados na disciplina.
Saiba mais sobre a nossa série “Wittgenstein and Women”.
Tradução do Call for Abstracts: Melina Bentes (FCSH)
REFERÊNCIAS
Cavell, 1979. The claim of Reason: Wittgenstein, Skepticism, Morality and Tragedy. Oxford: Oxford University Press.
Crary, Alice. 2001. “A Question of Silence: Feminist Theory and Women’s Voices”. Philosophy, 76(297), 371-395.
Das, Veena. 2007. Life and Words: Violence and the Descent Into the Ordinary. Berkeley and Los Angeles: University of California Press.
Dotson, Kristie. 2012. “A Cautionary Tale: On Limiting Epistemic Oppression”. Frontiers: A Journal of Women Studies, 33(1), 24-47.
Fricker, Miranda. 2007. Epistemic Injustice: Power and the Ethics of Knowing, Oxford: Oxford University Press.
Haraway, Donna. 1988. “Situated Knowledges: The Science Question in Feminism and the Privilege of Partial Perspective”. Feminist Studies, 14(3), 575–599.
Laugier, Sandra. 2015. “Voice as Form of Life and Life Form”. Nordic Wittgenstein Review, Special Issue: Wittgenstein and Forms of Life, ed. by Danièle Moyal-Sharrock and Piergiorgio Donatelli, 63-81.
Lorde, Audre. 1984. Sister Outsider. Berkeley, CA: Crossing Press.
Medina, Jose. 2004. “The meanings of silence: Wittgensteinian contextualism and polyphony”, Inquiry, 47: 6, 562-579
Pohlhaus, Gayle. 2012. “Relational Knowing and Epistemic Injustice: Toward a Theory of Willful Hermeneutical Ignorance”. Hypatia, 27(4), 715-735.
Scheman, Naomi. 2002. “Introduction”. In Naomi Scheman and Peg O’Connor (eds.), Feminist Interpretations of Ludwig Wittgenstein (1-21). University Park, PA: Penn State University Press.
Wittgenstein, Ludwig. 1958. Philosophical Investigations. Oxford: Blackwell.