As nossas edições em acesso aberto: Coleção Frente à Obra. Arte e Filosofia

(A)colher o que Está Perdido

Inscrito nas periferias dos valores de uma sociedade profundamente hierárquica, o quadro de Hoppner aparece-nos como gesto gratuito, fora do círculo de poder dos comanditários, mas também como fruto da generosidade de quem concede (ou, ao menos, de quem pensa ter esse dom) o direito à memória que a barbárie lhe tenha retirado. Apanhada a caminho — talvez da casa que se avista ao longe —, a figura da camponesa, em posição ereta, ocupa o lugar central, no primeiro plano de uma paisagem rural, cheia de arvoredos banhados em tons outonais, cuja mansidão cromática surge imersa na luz dourada do crepúsculo. Embora esteja a ocupar uma posição de destaque, a rapariga está perto das margens, perto de um espelho de água, tão quieto quanto a espera, tão opaco como se a noite emanasse dele. Quem sabe a própria camponesa-ninfa não seja consequência do seu exalar, da sua quase respiração do lago? O espelho de água serve de pano de fundo, mas concentra à sua volta — em roda, distribuindo-os nas suas orlas — a rapariga, o arvoredo e as casas, ao longe, na outra margem, onde, apesar da distância, ainda se consegue entrever uma pequena chama de uma fogueira e o respetivo fumo, que ao subir acaba por confundir-se com o céu.


— Golgona Anghel


COLEÇÃO FRENTE À OBRA. ARTE E FILOSOFIA


A presente coleção reúne as conferências apresentadas no ciclo “Frente à Obra. Arte e Filosofia”, que teve lugar no Museu Nacional de Arte Antiga, entre 2 e 7 de Maio de 2022, como resultado de uma colaboração entre o Plano Nacional das Artes, o Departamento de Filosofia da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa, o Instituto de Filosofia da NOVA e o MNAA. Os oradores foram convidados a escolher uma obra do Museu e a propor uma reflexão filosófica na presença da mesma, antecedida por uma contextualização histórica apresentada por um membro da equipa do Museu. A publicação das conferências vem agora a público, entendendo-se como uma partilha e um testemunho das possibilidades que a relação entre a arte, a história e o pensamento abrem a todos nós.