Hélder Telo
A sexta sessão do seminário permanente do Art of Living Research Group estará a cargo de Hélder Telo.
Moderação: Marta Faustino
Nas últimas décadas, autores como Pierre Hadot, John Cooper e John Sellars mostraram que a filosofia era compreendida por muitos na Antiguidade (incluindo Platão) como um modo de vida – ou seja, como uma atividade teórica que deve transformar profundamente a vida daqueles que se dedicam a ela. Nos seus traços mais gerais, uma tal caracterização parece captar a essência da prática filosófica e da metafilosofia antigas e é possível desenvolver a partir dela ricas reflexões não só sobre o modo como os pensadores antigos compreendiam a filosofia, mas também sobre algumas das principais teses epistemológicas, éticas e até políticas destes pensadores.
Para além desta caracterização geral, os autores mencionados tentam também especificar ao certo o que está envolvido na ideia da filosofia como modo de vida e que forma é que ela assume em cada autor. Contudo, tais tentativas são problemáticas. Desde logo, as especificações apresentadas divergem significativamente de autor para autor, o que suscita a questão de saber qual deles está a ser mais fiel a um determinado pensador antigo ou ao pensamento antigo em geral. Mais do que isso, há ainda a possibilidade de que a descrição que fazem da filosofia antiga não faça justiça a toda a complexidade presente nesta. Na verdade, ela pode deixar de fora ou até mesmo distorcer aspetos absolutamente essenciais da compreensão antiga da filosofia.
É precisamente esta última possibilidade que vai ser explorada nesta comunicação. Procurar-se-á mostrar que, a despeito de todos os méritos das interpretações desenvolvidas por Hadot, Cooper e Sellars, existem três aspetos do pensamento platónico que ou não são considerados ou por vezes parecem mesmo ser expressamente negados na caracterização que estes e outros autores contemporâneos fazem da filosofia antiga em geral e da filosofia platónica em particular.
Em primeiro lugar, tende-se a conceber a relação com a filosofia como algo que envolve uma escolha e até mesmo uma dupla escolha (a saber, a escolha de filosofar ou não e a escolha de como filosofar ou – como costuma ser formulada – de que escola seguir). Contudo, a conceção que domina no corpus platonicum vê antes a filosofia como algo que acontece a alguém ou algo a que alguém é forçado em certas circunstâncias.
Em segundo lugar, as caracterizações contemporâneas normalmente pressupõem que há um qualquer contacto mais ou menos evidente e imediato com o que é a filosofia e que se pode aceder a ela de forma mais ou menos imediata. Platão, porém, sublinha não só a enorme dificuldade de aceder à filosofia e de a praticar, mas também o modo como muitas práticas que podemos já considerar filosóficas ainda não são filosofia no sentido próprio da palavra.
Por fim, a caracterização que os intérpretes mencionados fazem da filosofia costuma salientar o carácter múltiplo da filosofia (inclusivamente no interior do próprio corpus platonicum, onde haveria uma filosofia ou um modo de vida filosófico de cariz socrático e outro de cariz estritamente platónico). No entanto, o confronto das várias apresentações que Platão faz da filosofia permite perceber que está sempre em causa um acontecimento essencialmente unitário e que qualquer aparente diferença tem de ser interpretada no quadro dessa unidade – caso contrário, a diferença que estará em causa será entre aquilo que é verdadeiramente filosofia e aquilo que não passa de um simulacro dela.
Como se mostrará, estas três correções fornecem uma compreensão significativamente diferente da filosofia como modo de vida, a qual é mais fiel aos textos platónicos e, para além disso, permite pôr em relevo alguns traços essenciais não só da atividade filosófica, mas também da experiência humana em geral.