Formas de Conversão
A noção de conversão atravessa, de muitas maneiras, toda a história do pensamento ocidental, assim como as formas religiosas e políticas. Na linguagem comum, ela aparece directamente ligada ao mundo religioso, implicando a passagem a uma forma de vida caracterizada por uma fé ou uma crença específica. Na verdade, seguindo a genealogia desta noção, é possível verificar como as ideias antigas de “conversio” ou de “epistrophé” e “metanoia”, presentes no pensamento grego e latino antes da aparição do cristianismo, assinalam o momento ou o processo de transformação de uma certa forma de vida numa outra. Nesse sentido, a modalidade religiosa parece ser simplesmente uma das declinações através das quais a noção de conversão foi e pode ser abordada.
Efectivamente também no contexto do pensamento filosófico moderno, a noção de conversão aparece de muitas formas (Espinosa, Schopenhauer, Nietzsche, James, Husserl, Heidegger, Wittgenstein…), assinalando, precisamente, tal como acontecia na antiguidade, a capacidade da filosofia de intervir nas formas de vida e de mudar os objectivos e os valores de uma existência, isto é, de transformar uma vida qualquer numa vida filosoficamente orientada. Neste sentido, a conversão filosófica parece caracterizar precisamente uma “viragem de olhar” ou um “regresso” ao conteúdo mais profundo, e mais verdadeiro, da vida. A presença desta noção parece, portanto, ser o operador fundamental de toda aquela tradição que Pierre Hadot chamou de “filosofia como modo de vida”.
Mais em particular, é precisamente nesse contexto que Pierre Hadot e Michel Foucault, no início dos anos 80 do século passado, discutiram a noção de conversão, sublinhando a importância fundamental desta noção para as formas de vida filosóficas, religiosas e políticas.
A partir de um ponto de observação ligeiramente diferente do de Hadot, Foucault destaca como uma noção de conversão esteja também presente nos contextos político e artístico: é, por exemplo, através de uma conversão a uma forma de vida revolucionária que seria possível explicar muitas formas de militantismo político, tal como formas alternativas de vida artística. O revolucionário ou o artista seriam nesse sentido formas de vida definidas a partir de uma radical reavaliação dos valores comuns: vidas transformadas e convertidas segundo um desenho completamente diferente do anterior. Da mesma maneira, também a tradição utópica, desde Morus até Bloch, e ainda nos últimos intérpretes, como Abensour, pode ser encarada como uma tradição de pensamento cujo objetivo último é a transformação das formas de viver, ética e politicamente, na sociedade.
O objectivo deste colóquio é, portanto, interrogar a noção de conversão a partir destes diferentes pontos de observação, tentando abordá-la como uma noção decisiva do pensamento actual. Numa época caracterizada pela multiplicação de fés e crenças religiosas, pela renovada interpretação da filosofia como prática de transformação da vida, e pela aparição de novos valores etopoiéticos, como a renovada consciência ecológica das novas gerações, reflectir sobre a conversão implica reflectir também sobre os sentidos que as diferentes tradições deram a esta noção, quer a partir do papel que este operador tem na época actual na transformação de hábitos, quer em relação à liberdade dos indivíduos de operar uma viragem do próprio olhar, deixando uma vida, e abraçando uma vida outra.