O absurdo em Aristófanes
A aula tem o propósito de explorar as dimensões cômicas da noção de ‘absurdo’ ou ‘absurdidade’, coligindo os sentidos ontológicos, existenciais e estéticos, mas também possíveis sentidos éticos e políticos desse conceito. Se a comédia grega antiga foi compreendida por Niezsche como um dos modos artísticos de dar sentido à absurda falta de sentido da existência, e se os próprios gregos tenderam a compreendê-la como um modo de manifestar e lapidar a ira (orgé) no contexto da comunidade política (no sentido de que ridicularizar e zombar é um modo de tornar algo desprezível), propõe-se aqui reunir essas duas leituras, efetuando uma análise da atuação da comédia na polis por meio da noção de absurdidade. Dito de outro modo, pretende-se associar o absurdo, no sentido moderno e contemporâneo do termo, a uma leitura política da comédia aristofânica. A fim de exemplificar esse procedimento, será analisada a obra Lisístrata, de Aristófanes, onde se ficcionaliza a impensável e absurda situação teatral de uma atuação política feminina na Atenas do século V a.C.: uma greve de sexo com vistas à reconciliação de Atenas e Esparta. Nessa obra, o comediógrafo, dentre outras coisas, testa os limites entre o público e o doméstico, politizando um motivo privado com vistas à defesa da paz. Tornar público o doméstico, e vice-versa, é sem dúvida uma forma eficiente de provocar o riso, mas é também um modo de denunciar a fratura interna da cidade, e ao mesmo tempo de imaginar uma possibilidade de recomposição de seu tecido social. O jogo cômico entre o feminino e o masculino a que assistimos na peça, por sua vez, é um método eficaz de borrar as fronteiras entre o público e o privado e, explorando comicamente uma situação mais do que improvável, denunciar o absurdo da política da época – mais particularmente aquelas decisões que envolveram a Guerra do Peloponeso – e de suas consequências no âmbito das vidas privadas, que de todo modo não podem se separar da vida comunitária e do sentido coletivo da função de cada indivíduo na polis.
Bio
Luisa Buarque de Holanda é professora de Filosofia Antiga na graduação e na pós-graduação do Departamento de Filosofia da PUC-Rio desde 2013. Tem experiência nas áreas de “História da Filosofia Antiga”, “Filosofia e Literatura”, “História da Retórica” e “Comédia Antiga”. Publicou diversos livros, capítulos e artigos a respeito das filosofias de Platão e de Aristóteles, bem como a respeito da comédia aristofânica. É membro dos grupos de pesquisa NUFA (PUC-Rio), Laboratório Ousia (UFRJ) e Pragma (UFRJ), bem como da Associação Latinoamericana de Filosofia Antiga (ALFA), da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos (SBEC) e do GT de Filosofia Antiga da ANPOF. É coordenadora, junto com Fernando Santoro, do projeto Dicionário dos Intraduzíveis (Ed. Autêntica), versão brasileira do Vocabulaire Européen des Philosophies, concebido e coordenado por Barbara Cassin.