CultureLab • Seminário Permanente

Valores estéticos menores: aproximações a uma estética do quotidiano

Nuno Fonseca (Universidade NOVA de Lisboa)

«[C]reio que não me equivoco muito se me arriscar a acreditar que apenas basta abrir os olhos e olhar atentamente em redor para ver coisas que são valiosas, se as contemplarmos com alguma intimidade e cuidado», dizia o escritor suíço Robert Walser num pequeno texto intitulado “Cinza, agulha, lápis e fosforozitos” (Assírio & Alvim, 2023), onde se dedicava precisamente a falar das pequenas coisas, as mais humildes e mais banais, quase insignificantes, que nos rodeiam e povoam o nosso quotidiano. Pondo de parte as idiossincrasias micropsíquicas do escritor, não é assim tão difícil encontrar na literatura, na poesia e nas artes em geral, este tipo de olhar, este tipo de atenção ou mesmo gestos de revelação dos objectos, acontecimentos e circunstâncias que relevam do comum, do ordinário, daquilo que nos é tão familiar e habitual que nem damos por isso. Bastaria lembrar a pintura de género holandesa, algumas naturezas-mortas, os textos sobre o “infra-ordinário” de Georges Perec, os filmes de Chantal Akerman, tantos documentários, novelas gráficas e diversas obras de artistas contemporâneos, para compreender que as pequenas coisas do quotidiano nutrem frequentemente a inspiração dos artistas, dos escritores ou mesmo dos músicos. E embora seja provável que essas obras acabem por gerá-los, seria talvez um erro pensar que os artistas apenas desvelam ou se inspiram nos valores do belo, do sublime, ou até mesmo do trágico ou do cómico que reconhecem no quotidiano, ou seja, nos grandes valores estéticos da tradição ocidental. Há toda uma série de valores estéticos, que poderemos classificar como menores, que perpassam a nossa experiência de todos os dias e que também despertam a atenção e o sentimento dos autores e artistas. Na verdade, alguns deles parecem até tomar por vezes o lugar dos valores clássicos não só na criação contemporânea como na nossa experiência urbana quotidiana, onde no fundo vivemos a maior parte das nossas experiências estéticas: o interessante, o divertido, o kitsch, o giro ou fofo, o unheimlich (estranhamente familiar), o sexy ou erótico, o bonito, o decorativo e o agradável, o sereno e o tranquilo, o terrível e o obsceno, ou mesmo o grotesco e o aborrecido, etc.


Esta apresentação pretende, não apenas refletir sobre alguns destes valores estéticos menores, como estimular a reflexão sobre a pertinência e validade daquilo a que se tem vindo a chamar “estética do quotidiano” e que seria, para uns, uma expansão recente do domínio tradicional da estética filosófica — embora antecipada por alguns autores mais heterodoxos da história da filosofia como Georg Simmel, Walter Benjamin, Henri Lefebvre ou Michel de Certeau — e, para outros, essencialmente um voltar às origens do pensamento estético moderno dos séculos XVII e XVIII, antes do âmbito alargado dessa ciência do conhecimento sensível, dessa “gnoseologia inferior”, ter sido reduzido na prática ao da filosofia da arte.

Bio

Nuno Fonseca (n. 1974) é atualmente investigador integrado do Instituto de Filosofia da NOVA (IFILNOVA) e, dentro do Culturelab, coordena o grupo “Estética e Filosofia da Arte”. Investiga vários tópicos da Estética e Filosofia da Arte (experiência, conceitos e valores estéticos) tanto no contexto das artes, onde se dedica sobretudo às artes sonoras, como no contexto do espaço urbano e do quotidiano. Paralelamente, continua a sua investigação sobre a “Lógica de Port-Royal”, sendo autor da primeira tradução portuguesa.


Lecionou, na NOVA FCSH, a disciplina de “Retórica e Argumentação” (2012–2014), no curso de Ciências da Comunicação, o seminário “Arte e Experiência” (2012–2013), no âmbito do mestrado em Estética, e vários cursos de curta duração sobre a Filosofia dos Sons e das Artes Sonoras (2015–2018), tal como módulos dedicados à Lógica, Epistemologia e Estética. Desde 2021, co-leciona o curso “Urban Aesthetics: Philosophy, Art and the City”, oferecido no currículo internacional da faculdade.


Licenciado em Direito (1998) e em Filosofia (2004) pela Universidade de Coimbra, concluiu no ano 2012 o doutoramento em Filosofia (Epistemologia e Filosofia do Conhecimento) na NOVA FCSH, trabalhando sobre questões de representação e de perceção.


Para além de outras publicações nacionais e internacionais, coeditou os volumes Morphology: Questions on Method and Language (2013), Conceptual Figures of Fragmentation and Reconfiguration (2021), Planos de Pormenor (2023), A cidade nas práticas artísticas (2023) e está a preparar um livro coletivo Rethinking the City: Reconfiguration and Fragmentation que deverá ser publicado na Routledge durante o ano de 2024.



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