Paulo Catrica e Nélio Conceição
Inscritas com a hipótese de conformar tempo e espaço, as fotografias dos lugares, ou melhor, as fotografias das cidades, iludem a ideia de ver a ‘História’. Considerando as fotografias de Lisboa na década de 1950 como históricas, esta apresentação pretende discuti-las a partir de um duplo entendimento, como se posicionam na relação com outras fotografias e com o tempo da sua criação, e que imaginário constroem hoje, passados mais de sessenta anos. Interessa a circunstância da sua produção, quem disparou, ao serviço de quem ou para quê? – o seu campo discursivo, onde e como foram publicadas, como foram entendidas pela historiografia? Tal como na investigação de documentos escritos, alocar intenção e contexto histórico às fotografias é fundamental para admitir a sua perspectiva crítica, para além de aspectos formais ou simbólicos. Que relação podem ter as fotografias com as ideias da história ou de inscrição na memória colectiva? Este debate convoca e relaciona fotografias editoriais, comerciais e industriais, muitas enquanto documento e propaganda, outras enquanto discurso e prática artística. Sugerindo a hipótese de Chris Marker se ter cruzado com Victor Palla e Costa Martins na rua da Madalena, e que este encontro terá sido fotografado acidentalmente por Horácio Novais ou por Judah Benoliel, a legenda da fotografia não é precisa.
Os trabalhos de Francis Alÿs, artista belga que reside na Cidade do México desde os anos 80, constituem um caso exemplar da relação da arte contemporânea com a cidade. Utilizando a fotografia, o vídeo, a pintura ou a performance, os seus trabalhos têm afinidades com práticas situacionistas, como a “criação de situações” e a deriva. Nesse sentido, constroem-se a partir de eventos que, num determinado contexto, visam perturbar o funcionalismo dos espaços urbanos, bem como as suas imagens estereotipadas. Partindo da análise de obras como “Reel-Unreel” (2011), “The Collector” (1991-2006) e “Children’s Games” (1999-presente), pretendo explorar alguns dos seus gestos centrais, como o caminhar ou a recolha de despojos – no seguimento das figuras do flâneur e do trapeiro. Essas obras podem também ser vistas como um “jogo-arte” (“art-game”), para usar a expressão de Michael Taussig. “Children’s Games” é inclusivamente uma recolha de jogos infantis, filmados em vários locais do mundo com um olhar simultaneamente descritivo e poético. Mas o que é que essa relação com o jogo nos diz acerca do trabalho de Alÿs e de outros artistas que lhe são afins? E de que forma as complexas cidades modernas constituem um espaço privilegiado para as operações transfiguradoras dos exercícios imaginativos? Para responder a estas questões, recuperar-se-ão as noções benjaminianas de jogo (Spiel) e espaço de jogo (Spielraum), para com elas se repensar, não o aspecto infantil e superficialmente lúdico das práticas artísticas contemporâneas, mas alguns elementos que as tecem intimamente: acaso, ausência de propósito, repetição, relação entre memória e utopia, gesto político.
Imagem: Francis Alÿs, Turista, 1994