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Cinema & Política – Ciclo de Cinema e Debates

Stanley Cavell e A Comédia de Recasamento em Hollywood // His Girl Friday (1940), Howard Hawks

Stanley Cavell, um dos mais originais filósofos americanos do século XX, dedicou uma parte significativa da sua carreira a pensar a experiência cinematográfica como um lugar legítimo para a filosofia. No seu livro “Pursuits of Happiness: The Hollywood Comedy of Remarriage”*, Cavell propõe que certas comédias românticas de Hollywood dos anos 1930 e 40 — as chamadas remarriage comedies — não são apenas histórias leves de amor, mas verdadeiras meditações sobre o casamento, o reconhecimento e a vida partilhada num mundo moderno.


Ao contrário das comédias românticas convencionais, os remarriage films começam com um casal já separado ou em processo de separação. O enredo não gira em torno do encontro inicial, mas sim da possibilidade de reencontro, da reconstrução de uma intimidade depois do fracasso. O casamento, nesta perspetiva, não é um final feliz, mas um ponto de partida para um processo contínuo de entendimento mútuo. Para Cavell, estes filmes são herdeiros diretos da comédia de costumes shakespeareana — como Much Ado About Nothing, As You Like It ou Twelfth Night, entre outras — e funcionam como laboratórios éticos para repensar o amor na modernidade.


O ponto de partida da análise de Cavell é o conceito de reconhecimento. Amar alguém, sugere ele, não é simplesmente sentir algo pelo outro, mas vê-lo e aceitá-lo tal como ele é — e permitir ser visto em retorno. Esta dinâmica de reconhecimento aproxima-se da dialética hegeliana, mas é filtrada, no caso de Cavell, por uma sensibilidade profundamente marcada por Wittgenstein e pela filosofia da linguagem. O amor exige linguagem, escuta, jogo e risco. É uma aventura existencial e não uma solução romântica pré-fabricada.


His Girl Friday (Howard Hawks, 1940), filme que inaugura este ciclo, é um dos exemplos mais brilhantes daquilo que Cavell propõe. Situado na redação de um jornal, o filme transforma o espaço de trabalho em palco para um duelo amoroso. Hildy Johnson (Rosalind Russell), uma repórter brilhante, quer abandonar a profissão e casar-se novamente. Mas o seu ex-marido e editor, Walter Burns (Cary Grant), arquiteta um plano para a reconquistar: oferecer-lhe uma última grande história — a entrevista exclusiva com um condenado à morte.


Este jogo de manipulação e sedução é conduzido num ritmo vertiginoso, com diálogos afiadíssimos que revelam uma relação baseada numa extraordinária paridade intelectual. Hildy não é uma “mulher em busca de um marido”, mas uma profissional consciente das suas escolhas. O que está em causa não é apenas o romance, mas a possibilidade de uma vida em comum que respeite o desejo, a vocação e a liberdade de ambos. A comédia, aqui, não serve para aliviar a tensão, mas para intensificá-la — é o meio através do qual a verdade relacional se torna visível.


Segundo Cavell, o “remarriage” é uma metáfora poderosa: amar é decidir, e decidir de novo, criar de novo, amar outra vez. Estes filmes ensinam que não basta apaixonar-se uma vez; é preciso recomeçar continuamente. Amar não é ceder a uma fórmula nem repetir um ideal, mas arriscar-se num processo onde o outro nunca está garantido, e onde a linguagem — aquilo que dizemos e não dizemos — tem um papel central. O que está em jogo é a possibilidade de construir, na falibilidade humana, uma forma de vida partilhada.


Este ciclo propõe, assim, um olhar filosófico sobre o cinema popular, revelando nas suas formas clássicas uma reflexão profunda sobre a ética, o afeto e o reconhecimento. Através deste estudo de Cavell, o cinema revela-se como um espaço de pensamento vivo, onde se propõe, com humor e inteligência, a busca por uma vida comum.


*Edição consultada: Stanley Cavell, Buscas da Felicidade — A Comédia de Recasamento em Hollywood (Imprensa da Universidade de Lisboa, 2022)

Exibição de filme + conversa

HIS GIRL FRIDAY
(O Grande Escândalo)
1940 | M/6 | 1h32
De Howard Hawks


Quando a ex-mulher, uma repórter brilhante, está prestes a deixar o emprego e a casar-se novamente, o editor do jornal onde trabalha ganha tempo para a reconquistar ao prometer-lhe uma entrevista exclusiva com um condenado à morte.


Sexta, dia 23 de maio | 19h30
Prosa Plataforma Cultural
Entrada livre


Apresentação por Alexandre Braga (CineLab / Prosa Plataforma Cultural)

(Som original em inglês, com legendas em português.)


IMDB
Trailer


Todos os filmes do Cinema Prosa serão exibidos em pixel iluminado (ecrã QLED 65’’) em sala condicionada ao máximo de 24 espectadores.


O ciclo Cinema & Política – Ciclo de Cinema e Debates (2025) é organizado por Alexandre Braga e pelo grupo de investigação Cinema & Política: Aproximações Filosóficas, no âmbito das atividades do Laboratório de Cinema e Filosofia (CineLab).