Ao longo das últimas décadas, a noção de filosofia como modo de vida (FMV) foi trazida para o centro de vários debates filosóficos contemporâneos. Pierre Hadot (1995b) forjou a expressão para enfatizar o potencial performativo da filosofia e o papel que ela pode idealmente desempenhar na transformação da vida, em vez de se limitar a teorizar sobre ela. Nas suas obras mais influentes, Hadot defende que na antiguidade a filosofia não consistia simplesmente num conjunto de teorias ou doutrinas, mas numa prática, uma arte de viver, um modo de vida que visava o progresso espiritual e a auto-transformação no sentido da vida boa ou feliz. Ainda que esta conceção e prática da filosofia seja particularmente típica da antiguidade, Hadot (2002), juntamente com Foucault (2001), sublinha o seu ressurgimento em vários autores modernos e contemporâneos e descreve-a como o seu próprio modelo ideal de prática filosófica. Inspirados pelo trabalho de Hadot e Foucault, estudos recentes têm enfatizado a atual relevância metafilosófica da FMV e defendido a necessidade de reativar este modelo perante os desafios académicos, sociais, políticos e culturais dos nossos tempos.

Estas afirmações assentam em dois pressupostos centrais que este projeto pretende explorar e pôr à prova. O primeiro é que a FMV é uma abordagem hermenêutica relevante para a história da filosofia que – ao evidenciar o potencial prático, performativo e autotransformador da filosofia e enfatizar as mundividências, atitudes, modos de vida e exercícios espirituais contidos em cada filosofia – permite a construção de uma história alternativa da filosofia, que simultaneamente permite lançar nova luz sobre as teorias e doutrinas filosóficas e complementar as abordagens mais tradicionais. A segunda é que a FMV é uma metodologia inovadora para o estudo, ensino e disseminação da filosofia que incorpora importantes vantagens pedagógicas, didácticas e psicagógicas. Neste contexto, literatura recente defende que a transformação das práticas pedagógicas de acordo com este modelo facilita uma melhor aprendizagem, bem como a transformação de hábitos e padrões de comportamento, promovendo assim estilos de vida mais realizados, críticos e responsáveis. Este projeto visa explorar o potencial da FMV nestas duas frentes como condição propedêutica para o desenvolvimento da investigação sobre o tema e novas aplicações da FMV. O projeto está dividido em três partes, cada uma das quais correspondendo a uma questão em aberto no debate atual sobre o tema. A fase inicial e preliminar será dedicada à análise concetual e metafilosófica da FMV, procurando determinar as suas caraterísticas distintivas e as principais diferenças relativamente a outras conceções da filosofia. A segunda fase utilizará o enquadramento definido na fase anterior e aplicá-lo-á a momentos e autores-chave da história da filosofia, caraterizando e contrastando diferentes artes de viver e práticas de autotransformação da antiguidade até à filosofia contemporânea. O objetivo desta fase principal do projeto é esboçar uma cartografia de diferentes artes da vida ao longo da história do pensamento ocidental, por forma a avaliar o valor hermenêutico da FMV e dar um primeiro contributo para uma reconstrução abrangente da história da filosofia através da perspectiva da FMV, tal como sugerido por Hadot e Foucault, e vários especialistas a trabalhar na sua esteira. A terceira e última fase irá adaptar os materiais obtidos na fase anterior para o público não especializado e desenvolver um curso e cinco eventos de disseminação, por forma a experimentar os resultados obtidos e avaliar o impacto da abordagem da FMV no ensino e na disseminação da filosofia. O principal resultado do projeto será a mencionada cartografia de diferentes artes da vida ou modos de vida ao longo da história da filosofia ocidental, que será publicada como um Manual sobre a Arte de Viver (Handbook on the Art of Living) numa editora académica internacional. Para além disso, organizaremos dois eventos científicos internacionais e um número especial de uma revista indexada prestigiada. O projeto e os seus resultados são concebidos como um trabalho propedêutico para novos desenvolvimentos e aplicações da FMV, não apenas na área da filosofia, mas também em outras áreas para as quais a filosofia concebida como arte da vida pode ser útil e complementar, tais como a pedagogia, a psicologia, e a consultoria, bem como a literatura e estudos comparados de tradições filosóficas e/ou espirituais ocidentais e orientais. O projecto será levado a cabo por uma equipa de especialistas em filosofia antiga, moderna e contemporânea, com experiência no tema da filosofia como modo de vida, incluindo membros do Art of Living Research Group (IFILNOVA) e alguns dos principais interlocutores no debate actual sobre o tema, em parceria com cinco consultores e várias redes e instituições internacionais que trabalham atualmente sobre temas relacionados com este projeto.