A filósofa Mary B. Hesse (1924-2016) teve um papel fundamental na filosofia da ciência contemporânea. O seu trabalho está associado ao estudo do sentido metafórico e analógico vs. literal da linguagem científica, assim como ao desenvolvimento de uma nova epistemologia com base numa disciplina de retórica para a ciência. No período em que surgiu a abordagem integrada da história e filosofia da ciência, Hesse desenvolveu para a sua disciplina um contributo original a partir de uma concepção pós-empirista que considera a ciência natural como re-descrição hermenêutica do âmbito do explanandum.
O objetivo deste projeto é desenvolver um trabalho de caráter exploratório sobre os assuntos que têm de ser considerados para a realização dum estudo exaustivo do pensamento de Mary Hesse e do seu legado. Esse legado inclui, por um lado, o impacto das suas ideias no debate atual sobre o realismo científico (particularmente no que diz respeito ao tema da modelagem científica) e, por outro lado, a influência que aquelas ideias podem ter na disseminação e ensino da ciência.
Em particular, o projeto incidirá sobre a “nova epistemologia para a ciência” descrita por Hesse e que inclui a ideia de que não há uma explicação universalmente aceite sobre o funcionamento do nosso conhecimento, assim como não há uma única descrição do método científico. Ao rejeitar o valor literal da linguagem e afirmar o caráter interpretativo de qualquer forma de teorização – isto é, a ideia de que às ciências naturais pertence o mesmo carácter hermenêutico que se encontra nas ciências sociais e humanas – Hesse defende a necessidade de substituirmos a concepção positivista tradicional por uma interpretação mais flexível da ciência. Esta ideia tem consequências teóricas importantes pois reabre o debate clássico entre realismo científico e instrumentalismo. Além disso, ao determinar que não há espaço para qualquer tipo de conhecimento científico concebido como acumulação de afirmações empíricas verdadeiras, a crítica do empirismo obriga-nos a considerar o problema da objetividade e do progresso científico, duas questões relevantes no debate atual sobre a modelagem científica, que inclui tentativas de preservar formas moderadas de realismo (e.g. ficcionalismo e perspectivismo). Essas posições podem dialogar proveitosamente com a tese de Hesse pois ela elaborou uma “teoria do consenso” coerente com a defesa de um “realismo moderado com base no sucesso pragmático” da linguagem científica. O projeto irá, portanto, mostrar que o trabalho de Hesse, reavaliado à luz de e em diálogo com a discussão contemporânea, oferece um quadro teórico sólido para elaborar um relato sobre o raciocínio analógico que, como observa Nersessian, permitirá obter “uma compreensão mais rica da natureza do trabalho intelectual feito com os modelos”.